terça-feira, 1 de maio de 2012

Tratar os desiguais como desiguais

André Jorgetto de Almeida
Representante Discente na Congregação

 
Aqueles que criticam o sistema de cotas raciais nas universidades como um ataque à igualdade, afetando o sistema de meritocracia, consideram o ensinamento aristotélico pela metade: tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais, na medida de sua desigualdade. 
A Universidade de São Paulo possui um programa que pretende facilitar o ingresso dos alunos de escola pública: o INCLUSP e o PASUSP. Como é possível acessar no próprio site da instituição (a versão está em PDF: http://www.prg.usp.br/site/images/stories/revista_inclusp.pdf), o primeiro é uma isenção do pagamento da inscrição no vestibular combinada com uma possível bonificação no exame, dada somente aos alunos que cursaram o ensino médio em escola pública; o segundo é um programa mais dirigido, que atende aqueles que estudaram nas escolas públicas paulistas, somado a um acréscimo de até 15% na nota do vestibular, também com isenção do pagamento da inscrição. 
Não se questiona o mérito desses programas de inclusão, mas se nota uma particularidade: não há uma reserva de vagas para os estudantes provenientes de escola públicas. Eles são simplesmente auxiliados pelos programas de inclusão através de uma bonificação no exame. Então, como garantir efetivamente a inclusão de segmentos populares na USP? 
É fato inconteste que a desigualdade social repercute na educação dos indivíduos. Mesmo com programas de transferência de renda que incentivem a permanência na escola (Bolsa Família), a discrepância entre o ensino na rede pública e o na rede privada continua alarmante. Isso acaba interferindo diretamente nos quadros que compõem a universidade pública. Além das questões econômicas, as étnico-raciais (estas ignoradas pela USP no processo seletivo) criam um cenário no qual a porcentagem de negros no Brasil com grau universitário em 2001 foi atingida nos EUA, em plena era de segregação, intolerância e violência racial aberta (basta acessar o relatório do desenvolvimento humano de 2005, página 70: http://www.pnud.org.br/rdh/) 
Segundo o mesmo relatório (p. 71) que “a pequena participação dos negros é fortemente concentrada nos cursos de menor prestígio. Entre 1980 e de 2000, os cursos que registraram maior crescimento são da área de ciências humanas e sociais, em que os negros já apresentavam maior participação. Em cursos que dão acesso a rendimentos mais elevados, como medicina, direito, odontologia, computação e arquitetura, a presença de negros aumentou muito pouco e, em alguns casos, até diminuiu. (...) pode-se especular com bastante segurança que a participação dos negros só não se reduziu ainda mais ao longo da década de 1990 porque a expansão do sistema universitário ocorreu mais no setor privado (crescimento de 88%) que no público (53%).”
Vale ressaltar, com Thiago Ingrassia Pereira, que “ninguém é ‘menos inteligente’ por ser negro ou por ser de classe popular, mas as questões raciais e de classe social acabam por distribuir os bens materiais e simbólicos de forma a criar constrangimentos que não oportunizam as mesmas chances para todos.” (Classes populares no ensino superior brasileiro: desafios políticos e pedagógicos. In: Universidade e suas fronteiras, pp. 77 – 78) 
Consoante à sabedoria aristotélica, o autor ressalta que “uma sociedade desigual não pode pretender educar de forma igual, ou seja, é preciso uma metodologia e um compromisso diante de uma sociedade de classes” (p. 78). 
As políticas de acesso ao ensino superior como o ProUni, UAB e o Reuni permitiram a entrada de segmentos historicamente excluídos do ensino superior, mudando sua feição. Como permanecerá a USP após a consolidação ou expansão desses programas? Sendo a melhor universidade do país, como ela poderia incluir classes populares sem perder a excelência? Para melhor enfrentar esse desafio, deve-se discutir a educação popular no ensino superior. Por exemplo, conhecemos um professor universitário que dá aulas de direito em uma faculdade privada frequentada por alunos com uma formação deficitária. Ele percebeu que tinham dificuldades na compreensão dos textos e na escrita. Sua solução foi acrescentar as matérias Português I e Português II, respectivamente, para o primeiro e segundo semestres do primeiro ano da graduação. Um ano depois, ele já percebeu melhorias qualitativas no aprendizado dos alunos. Ele introduziu uma disciplina “estranha” ao currículo de um curso de direito, mas que foi eficiente para sanar parte do déficit. Por que não aproveitar a estrutura da própria USP, que possuiu só no campus da capital mais de 20 unidades? 
Parafraseando Eduardo Galeano, autor de As Veias Abertas da América Latina, há dois lados na divisão social e racial da educação: um segmento que se especializou em conhecer e outro que se especializou em ignorar.

2 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns, Jorgetto! Ficou muito bom o texto.

Eu só acrescentaria que essa desigualdade, tanto a de classe quanto a de raça, é um produto histórico e socialmente construído. As pessoas costumam deturpar o argumento de defesa das cotas raciais, dizendo inclusive que as próprias cotas seriam "racistas", já que criariam diferenças entre raças. Porém, o que essa posição ignora é que, historicamente, construiu-se uma opressão social contra o negro, o índio e o pardo, um preconceito de tal forma embutido e enraizado socialmente que não são dadas condições iguais para as pessoas. Negros são alvos certos de batidas policiais, por exemplo. Também sofrem preconceito, de forma mais ou menos velada, em entrevistas de emprego. O preconceito existe e precisamos reconhcer isso para combatê-lo com medidas afirmativas. Precisamos vencer a hipocrisia de que as condições são plenamente iguais, e que vence o que melhor fizer jus ao critério da meritocracia. A herança de nosso passado escravocrata está aí, muito próxima, para dizer exatamente o contrário. E precisamos fazer algo para mudar.

Abraço!
Tairo

Anônimo disse...

"Mapa" das cotas raciais no estado de São Paulo.

http://www.educafro.org.br/cotas-sp.html


Por: André Jorgetto.