André
Jorgetto de Almeida
Representante
Discente na Congregação
Aqueles
que criticam o sistema de cotas raciais nas universidades como um ataque à
igualdade, afetando o sistema de meritocracia, consideram o ensinamento
aristotélico pela metade: tratar os iguais como iguais e os desiguais como
desiguais, na medida de sua desigualdade.
A
Universidade de São Paulo possui um programa que pretende facilitar o ingresso
dos alunos de escola pública: o INCLUSP e o PASUSP. Como é possível acessar no
próprio site da instituição (a versão está em PDF:
http://www.prg.usp.br/site/images/stories/revista_inclusp.pdf), o primeiro é
uma isenção do pagamento da inscrição no vestibular combinada com uma possível
bonificação no exame, dada somente aos alunos que cursaram o ensino médio em
escola pública; o segundo é um programa mais dirigido, que atende aqueles que
estudaram nas escolas públicas paulistas, somado a um acréscimo de até 15% na
nota do vestibular, também com isenção do pagamento da inscrição.
Não
se questiona o mérito desses programas de inclusão, mas se nota uma
particularidade: não há uma reserva de vagas para os estudantes provenientes de
escola públicas. Eles são simplesmente auxiliados pelos programas de inclusão
através de uma bonificação no exame. Então, como garantir efetivamente a
inclusão de segmentos populares na USP?
É
fato inconteste que a desigualdade social repercute na educação dos indivíduos.
Mesmo com programas de transferência de renda que incentivem a permanência na
escola (Bolsa Família), a discrepância entre o ensino na rede pública e o na
rede privada continua alarmante. Isso acaba interferindo diretamente nos
quadros que compõem a universidade pública. Além das questões econômicas, as
étnico-raciais (estas ignoradas pela USP no processo seletivo) criam um cenário
no qual a porcentagem de negros no Brasil com grau universitário em 2001 foi
atingida nos EUA, em plena era de segregação, intolerância e violência racial
aberta (basta acessar o relatório do desenvolvimento humano de 2005, página 70:
http://www.pnud.org.br/rdh/)
Segundo
o mesmo relatório (p. 71) que “a pequena participação dos negros é fortemente
concentrada nos cursos de menor prestígio. Entre 1980 e de 2000, os cursos que
registraram maior crescimento são da área de ciências humanas e sociais, em que
os negros já apresentavam maior participação. Em cursos que dão acesso a
rendimentos mais elevados, como medicina, direito, odontologia, computação e
arquitetura, a presença de negros aumentou muito pouco e, em alguns casos, até
diminuiu. (...) pode-se especular com bastante segurança que a participação dos
negros só não se reduziu ainda mais ao longo da década de 1990 porque a expansão
do sistema universitário ocorreu mais no setor privado (crescimento de 88%) que
no público (53%).”
Vale
ressaltar, com Thiago Ingrassia Pereira, que “ninguém é ‘menos inteligente’ por
ser negro ou por ser de classe popular, mas as questões raciais e de classe
social acabam por distribuir os bens materiais e simbólicos de forma a criar
constrangimentos que não oportunizam as mesmas chances para todos.” (Classes
populares no ensino superior brasileiro: desafios políticos e pedagógicos.
In: Universidade e suas fronteiras, pp. 77 – 78)
Consoante
à sabedoria aristotélica, o autor ressalta que “uma sociedade desigual não pode
pretender educar de forma igual, ou seja, é preciso uma metodologia e um
compromisso diante de uma sociedade de classes” (p. 78).
As
políticas de acesso ao ensino superior como o ProUni, UAB e o Reuni permitiram
a entrada de segmentos historicamente excluídos do ensino superior, mudando sua
feição. Como permanecerá a USP após a consolidação ou expansão desses
programas? Sendo a melhor universidade do país, como ela poderia incluir
classes populares sem perder a excelência? Para melhor enfrentar esse desafio,
deve-se discutir a educação popular no ensino superior. Por exemplo, conhecemos
um professor universitário que dá aulas de direito em uma faculdade privada
frequentada por alunos com uma formação deficitária. Ele percebeu que tinham
dificuldades na compreensão dos textos e na escrita. Sua solução foi
acrescentar as matérias Português I e Português II, respectivamente, para o
primeiro e segundo semestres do primeiro ano da graduação. Um ano depois, ele
já percebeu melhorias qualitativas no aprendizado dos alunos. Ele introduziu
uma disciplina “estranha” ao currículo de um curso de direito, mas que foi
eficiente para sanar parte do déficit. Por que não aproveitar a estrutura da
própria USP, que possuiu só no campus da capital mais de 20 unidades?
Parafraseando
Eduardo Galeano, autor de As Veias Abertas da América Latina, há dois
lados na divisão social e racial da educação: um segmento que se especializou
em conhecer e outro que se especializou em ignorar.
2 comentários:
Parabéns, Jorgetto! Ficou muito bom o texto.
Eu só acrescentaria que essa desigualdade, tanto a de classe quanto a de raça, é um produto histórico e socialmente construído. As pessoas costumam deturpar o argumento de defesa das cotas raciais, dizendo inclusive que as próprias cotas seriam "racistas", já que criariam diferenças entre raças. Porém, o que essa posição ignora é que, historicamente, construiu-se uma opressão social contra o negro, o índio e o pardo, um preconceito de tal forma embutido e enraizado socialmente que não são dadas condições iguais para as pessoas. Negros são alvos certos de batidas policiais, por exemplo. Também sofrem preconceito, de forma mais ou menos velada, em entrevistas de emprego. O preconceito existe e precisamos reconhcer isso para combatê-lo com medidas afirmativas. Precisamos vencer a hipocrisia de que as condições são plenamente iguais, e que vence o que melhor fizer jus ao critério da meritocracia. A herança de nosso passado escravocrata está aí, muito próxima, para dizer exatamente o contrário. E precisamos fazer algo para mudar.
Abraço!
Tairo
"Mapa" das cotas raciais no estado de São Paulo.
http://www.educafro.org.br/cotas-sp.html
Por: André Jorgetto.
Postar um comentário