segunda-feira, 16 de abril de 2012

De fora pra dentro: Um novo currículo para o curso de Direito da USP.

Mariana Teresa Galvão
Representante Discente na Comissão de Graduação

A Faculdade de Direito da USP vem rediscutindo com intensidade sua Matriz Curricular e Projeto Político-Pedagógico (PPP). A demanda da aprovação de uma nova grade, estruturada por um Projeto Político-Pedagógico, se deu, principalmente, pela aprovação da mal planejada grade de 2007, que vem causando transtorno na vida dos estudantes desde sua implementação em 2008.

Para a reforma ocorrer, no entanto, faz-se necessário um estudo profundo e pedagógico sobre o que deve constar num currículo de Direito, bem como aplicação das Diretrizes Curriculares Nacionais, que já descrevem na forma de Resolução, alguns pontos fundamentais que um curso de Direito deve ter (Resolução CNE/CES N° 9, de 29 de setembro de 2004).

No intuito de dar um caráter prático e palpável das discussões, foi feito em 2011 um levantamento dos considerados melhores cursos de Direito do mundo. Harvard (EUA), Oxford (Inglaterra), Tor Vergata (Itália), Heidelberg (Alemanha), Los Andes (Colômbia) e Coimbra (Portugal), foram algumas das Faculdades estudadas para tal pesquisa.

O estudo foi feito no âmbito da Subcomissão de Reforma da Grade e do Projeto Político-Pedagógico, submetida à Comissão de Graduação, e se baseou na resposta a 10 questões que refletiam de forma abrangente, mas também prática, os pontos principais da estruturação de um curso de Direito. Tais perguntas tinham por função dar um norte à pesquisa. Eram elas:

1) A graduação em direito em sua instituição é em tempo integral ou em tempo parcial?
2) Qual é, em média, a porcentagem de disciplinas obrigatórias ao longo do curso de graduação em direito? A partir de que momento o aluno pode escolher disciplinas optativas?
3) Quantas horas por semana, em média, um aluno de graduação em direito fica em sala deaula?
4) Qual é a porcentagem média de disciplinas que possuem oficinas ou seminários em grupos menores de alunos? Que porcentagem aproximada de tempo elas ocupam em relação ao total de horas de aula do curso?
5) Quantos alunos, em média, há em uma sala de aula (ou turma) ao longo da graduação em direito?
6) Qual é, em média, a carga horária semanal de aulas de um professor (disciplinas de graduação apenas)?
7) Quantas disciplinas de graduação, em média, estão sob a responsabilidade de cada docente em cada semestre ou período letivo?
8) Qual a porcentagem de docentes em dedicação integral à docência e à pesquisa?
9) Qual a porcentagem aproximada da grade curricular não correspondente a matérias dogmáticas?
10) Atividades de pesquisa e extensão são obrigatórias no currículo do aluno? Quantos créditos relativos a atividades de pesquisa e extensão o aluno deve cumprir?

Após a obtenção das respostas por meio dos sites das Faculdades internacionais e também com a ajuda de alguns estudantes e docentes que estiveram no exterior e compartilharam suas experiências, fez-se um estudo comparativo entre os diferentes cursos de Direito, incluindo o da Universidade de São Paulo. Foram feitos gráficos e, ao fim, montou-se uma apresentação para ampla exposição entre os estudantes e docentes.






O resultado mostrou a discrepância existente entre o curso de Direito do Largo de São Francisco, mais tradicional do País, e os outros cursos de Direito renomados do exterior, principalmente no que tange a quantidade de horas que um aluno tem aulas em sala de aula, infraestrutura, interdisciplinaridade das disciplinas e obrigatoriedade de atividades como extensão e pesquisa.

Cabe frisar que o objetivo desse levantamento nunca foi o de fazer um “recorta e cola” das melhores características internacionais e aplicá-las ao curso de Direito da USP, mas mostrar a desproporção entre os cursos do exterior e o da São Francisco. Esse estudo combate o senso comum, disseminado entre estudantes e docentes, que confortavelmente crê na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco como uma instituição de referência e destaque, provando, ao contrário disso, a necessidade e urgência de uma ampla reestrutração curricular.

Ao se pensar um novo currículo para cursos da USP é preciso levar em conta seu caráter público. Os estudantes precisam ter consciência da sociedade que os rodeia e que financia seus estudos, criando um vínculo de responsabilidade para com a população de São Paulo e do resto do País. Daí a necessidade de se pensar um curso crítico, social, que vise à melhora do País e lute para o fim das mazelas como a miséria, fome, extrema desigualdade, falta de acesso à educação e sistema de saúde, entre outros.

Para os mais céticos, não se trata aqui de utopias socialistas, mas de uma conscientização do que ocorre no Brasil e a noção de agente público que um estudante da universidade pública tem. Um curso de Direito, ou qualquer outro,precisa se sensibilizar com a sociedade e questionar: o que o Brasil precisa? A resposta deverá ser o princípio norteador dos cursos, para tentar acabar com os muros, também invisíveis, de uma universidade que pertence a todos e que se fecha cada vez mais para o que está fora dela.


Texto escrito para o blog LivrEducAção: http://livreducacao.org/

terça-feira, 10 de abril de 2012

Extensão, um conceito reacionário?


André Jorgetto de Almeida
Representante Discente na Congregação


A extensão é um dos três componentes do moderno conceito de universidade, sendo os outros dois o ensino e a pesquisa. Ela se caracteriza por uma prestação gratuita à comunidade de serviços relacionados ao saber.

Na universidade pública, além de ser uma exigência para manter uma coerência conceitual, a extensão acaba por se tornar um dever moral e legal a ser cumprido pela instituição. Sendo a sociedade quem custeia sob a forma de impostos (principalmente o ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) o ensino superior público, é ela primeiramente quem deve perceber os benefícios. Vale ressaltar que a parcela social que mais arca com o ICMS são as pessoas de baixa renda, fato que torna a extensão algo digno de participação e estímulo por parte daqueles que compõem a universidade, seja na qualidade de funcionários (entre eles, os professores) ou de alunos.

Conforme Dirceu Benincá (organizador da obra Universidade e suas Fronteiras, publicada pela editora Outras Expressões), ela surgiu a partir da compreensão da necessidade de estender os benefícios da ciência e do conhecimento à sociedade. Como Benincá pontua, a extensão não deixou de ser influenciada pelo contexto histórico e político. Por exemplo, durante a Ditadura Militar, houve o predomínio de uma tendência assistencialista de extensão, combatida a partir de uma perspectiva de uma relação dialógica entre universidade e comunidade.

Por trás do conceito de extensão, está um diálogo entre a universidade e a sociedade. No Brasil, temos uma grande demanda por acesso ao conhecimento, sendo a extensão, muitas vezes, a única via existente para saná-la. No entanto, ela tem conseguido se livrar do caráter meramente assitencialista e atingiu o patamar dialógico?

Antes de dar prosseguimento à reflexão, devemos perguntar pela relação entre o saber da univerisidade e a extensão. Enquanto prestação de serviços relacionados ao conhecimento,
a extensão reproduz um conceito totalitário de ciência. Tal conceito toma como verdadeiros todos os enunciados que foram deduzidos através de um método. Marginalizados, os conhecimentos “comuns” são cortados de suas realidades sociopolíticas e consequentemente neutralizados em sua validade e potencialidade.

Inserir e trabalhar a dialogicidade na extensão significa a destruição do seu conceito tradicional, rompendo com a pretensão arbitrária da ciência. Assim, a extensão dialógica se torna a subversão do próprio conhecimento, indo contra do sentido da rua de mão única que é a universidade, proprietária do saber científico.

A universidade não pode mais se furtar de aprender com grupos, comunidades, movimentos e experiências sociais e populares. É necessário um reconhecimento do não-saber recíproco, para chegar a uma produção (com)partilhada do conhecimento. Supera-se, assim, a distinção entre ensino e aprendizagem, criando contexto de aprendizagem mútua. Essa extensão dialógica trabalhada nas faculdades de direito possibilita uma construção de um conhecimento jurídico mais democrático. Essa ideia traz consigo uma potencialidade revolucionária, científica e socialmente.